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Recheio 2024 Profissional

Álvaro Almeida

Álvaro Almeida
“O Porto é a minha casa”

Com um currículo académico e profissional sólido e diversificado, tendo passado por cargos no FMI, na Entidade Reguladora da Saúde e na Administração Regional da Saúde Norte, Álvaro Almeida é uma personalidade do Porto que importa conhecer melhor. Numa fase claramente voltada para a política e intervenção na cidade que o viu nascer, damos a conhecer o trajeto deste economista que, apesar de ter passado pela azáfama de Washington DC, não esqueceu nunca as suas origens. A VIVA! conversou com o também docente na Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

Álvaro Almeida é professor associado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP). É diretor do mestrado em Gestão e Economia de Serviços de Saúde da FEP, desde 2016, e foi presidente do Agrupamento Científico de Economia da FEP de 2011 a 2015. É também docente na Porto Business School (PBS). Todos os anos, Álvaro Almeida tem estado incluído na lista dos 20% de docentes que tiveram um desempenho pedagógico de excelência, lista divulgada pelo Conselho Pedagógico da FEP e construída com base nos resultados dos inquéritos aos estudantes sobre o desempenho dos professores.
Por nomeação do ex-ministro da Saúde Paulo Macedo, foi coordenador da “Comissão de Acompanhamento da Reforma Hospitalar (2014-2015), presidente do Grupo de Trabalho “Turismo de Saúde” (2013); e membro da “Comissão Nacional para os Centros de Referência” (2014-2016). Foi coordenador de vários estudos na área da Economia da Saúde realizados pela FEP e pela PBS, para entidades como o Ministério da Saúde e instituições na sua dependência (Infarmed e ACSSS- Administração Central do Sistema de Saúde), Health Cluster Portugal, Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, Associação Nacional de Farmácias, e Ordem dos Enfermeiros. Recebeu a Medalha de Serviços Distintos, Grau “Ouro”, do Ministério da Saúde, atribuída em 7 de abril de 2014, pela prestação de serviços relevantes à Saúde Pública.
Nasceu no Porto, cidade onde sempre viveu, exceto nos seis anos em que esteve fora de Portugal (três anos em Londres e três anos em Washington). Com dois filhos, Álvaro Almeida é sócio do Futebol Clube do Porto, clube que por vezes acompanha nas deslocações internacionais. Falamos com Álvaro Almeida da sua infância e adolescência, do ambiente político pós 25 de Abril, do Futebol Clube do Porto de que é adepto fiel, do percurso académico, do doutoramento em Londres e da passagem por Washington e pelo FMI e, inevitavelmente, da política nacional e da cidade do Porto.

Como recorda a sua infância e adolescência?
Tecnicamente, entre os dois e os 20 anos, vivi fora do Porto, do lado de lá da Circunvalação. Mas fazia a vida toda nesta cidade. As escolas que frequentei eram do Porto. Muito da minha memória dessa altura era de andar entre Monte dos Burgos e o centro da cidade. Andei na escola Pêro Vaz de Caminha, que agora é um hotel, o Hotel das Artes. Passei muito tempo nos transportes públicos. Se me perguntar a imagem que guardo dessa altura, em grande parte é o tempo passado nos transportes, curiosamente. Era muito tempo. Eu passava uma, duas horas por dia nessa situação e depois como ia com muitos amigos, muitas das nossas diversões eram feitas à espera dos autocarros. Mas foi uma infância normal de uma criança que vivia numa zona limítrofe do Porto: Monte dos Burgos. Não é propriamente a zona mais abastada da cidade, mas também não era a mais desfavorecida.

Como era o ambiente político e social nessa época?
Comecei a ir para a Pêro Vaz de Caminha em 1974. E, portanto, lembro-me de um período de muita convulsão, também por isso a imagem dos transportes esteja associada. Porque havia muita agitação, muita confusão. Lembro-me de ouvir aviões a passar por cima da escola. Aulas interrompidas a meio. Os professores a aconselharem os alunos a ir para casa. Foi um período muito agitado. Mesmo no Rodrigues de Freitas, para onde fui a seguir, também foi muito agitado. Antes do 25 de Abril, não me lembro, era demasiado pequeno para me recordar. Mas com nove, dez anos já sabia dos riscos que estava a passar. Tive uma formação política muito acelerada. Porque vivia-se política de manhã à noite.

Joga à bola desde pequenino. Tem algum clube do seu coração?
Sou adepto do FC Porto desde pequenino. A primeira vez que fui a um jogo de futebol foi pouco antes do Porto ser campeão. Nessa altura jogava futebol com os amigos na rua. Nessa época não havia as infraestruturas que temos hoje. Era aquele tipo de jogo de futebol em que se deixava um carro passar e retomava-se o jogo (risos). Porque estávamos literalmente no meio da rua. Portanto a minha vida nesse tempo era, basicamente, jogar futebol e estudar.

O seu trajeto académico é descrito como brilhante. Fale-nos um pouco dele.
Até entrar na faculdade não me destaquei propriamente. [pausa] Mas sim, sem falsas modéstias, sempre fui bom aluno, sempre tive boas notas. E sempre o fiz com equilíbrio razoável entre trabalho e lazer. Isto é, nunca fui de estudar compulsivamente, só para ter a nota. As notas surgiam naturalmente, fruto de trabalho regular. Acho que a grande vantagem que eu tinha, e tenho, é que quando estou a fazer alguma coisa concentro-me. Nas aulas estava sempre muito atento, concentrado e absorvia a informação. Depois não exigia muito trabalho posterior, podendo ir brincar com os amigos.

O seu percurso académico, bem sucedido, conduziu-o a importantes cargos, nomeadamente no FMI. Acha que esta instituição justifica o mau nome que tem entre nós?
Mas quem é que tem mau nome? [pausa] Basicamente é a mesma coisa que os dentistas. Admito que sim, que tenha tão mau nome quanto os dentistas. Porque quando vamos ao dentista, os tratamentos não são agradáveis. Mas ninguém põe em causa que a função do dentista não seja essencial e nobre. É uma instituição que, na maior parte das vezes que se ouve falar dela, é efetivamente em situações de dificuldades, em situações em que o ‘dente’ está a doer fortemente. E depois o dentista tem que estar lá a mexer… Os tratamentos implicam alguma dor. Mas a culpa não é de quem prescreve os medicamentos. A culpa é de quem deixou chegar o dente aquela situação. Eu andava na faculdade durante a segunda intervenção do FMI em Portugal. Estava a começar a escola secundária durante a primeira intervenção em Portugal do FMI e devo dizer que ao contrário do que a maior parte das pessoas pensava na altura, que andavam a escrever nas paredes ‘FMI, rua’, eu fui para Economia porque achei que era aquilo que eu gostava de fazer: auxiliar países em dificuldades, ajudando-os a recompor e melhorar a vida dos cidadãos. Eu fui para o FMI por acaso. Mas a razão pela qual fui estudar Economia, foi essencialmente porque gostava de fazer aquilo que enquanto jovem via ser implementado. Uma instituição que veio a Portugal, que ajudou os portugueses, a colocar a Economia em condições. Na segunda intervenção, a economia portuguesa teve um crescimento muito grande nos dez anos seguintes, devido precisamente ao sucesso dessa ação. E, portanto, contrariamente às outras pessoas sempre achei, desde o início, desde pequeno, que o FMI era uma instituição positiva, ao ponto de um dia querer trabalhar lá. Para mim, esse cariz negativo não bate certo. Completei a minha licenciatura, o mestrado, e comecei a dar aulas na Faculdade de Economia do Porto (FEP), entre outras atividades profissionais ao mesmo tempo. Numa primeira fase, no setor financeiro. Não era exatamente aquilo que eu queria. Tinha o bichinho do FMI. Então decidi fazer um doutoramento na London School of Economics. Felizmente aceitaram-me. Depois tive a sorte de ter como orientador um grande economista, Charles Goddard, que não só me ensinou muita coisa como abriu muitas portas.

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Já no FMI, que balanço faz da experiência em Washington DC?
Foi interessante a dois níveis. Primeiro, o viver numa cidade como Washington. Uma experiência diferente da vivida em Londres que é muito europeia e ainda por cima a duas horas de casa. Quando tinha saudades, metia-me no avião. Vinha cinco, seis, sete vezes por ano ao Porto. Em Washington era mais complicado. Só duas vezes por ano e mais nada. Essa experiência de viver num país que, apesar de tudo, era diferente da Europa, foi engraçada. Washington é uma cidade por um lado, cosmopolita, porque que tem muitas instituições internacionais e, por outro lado, é a capital dos EUA, sendo tipicamente americana. Como foi desenhada a partir do nada está pensada com grandes espaços e muitas zonas para passear. É uma cidade muito agradável, como eu gostava que o Porto fosse em alguns aspetos. Uma cidade muito agradável para viver, onde se pode constituir família, contrariamente a Nova Iorque, que com crianças pequenas é um inferno. Foi também interessante do ponto de vista profissional pois a minha função era acompanhar vários países abarcados pelo FMI. Viajávamos para um país, estávamos lá uns tempos, conversávamos com as autoridades locais, outras vezes discutíamos com o governo local. Os programas que o FMI concebe têm uma componente económica, mas têm também política na medida em que têm que apresentar programas que as pessoas aceitem. A minha escola política foi aí.

Como presidente da Entidade Reguladora da Saúde, que desafios enfrentou?
Foi algo totalmente diferente, mas uma experiência também muito interessante. A entidade foi criada, no papel, em dezembro de 2003, um pouco por imposição do então presidente da República, Jorge Sampaio. O órgão nasceu um pouco à força. Durante seis meses não aconteceu nada. Foi nomeado o primeiro conselho diretivo em 2004. E em fevereiro de 2005 houve eleições, ganhas pelo PS. Quando chegamos a entidade existia formalmente, mas ainda não tinha uma atividade significativa. Não tinha receitas próprias. Portanto tivemos que criar tudo. E fomos nós que demos corpo à Entidade Reguladora da Saúde. Essa experiência de criar uma instituição que, ainda por cima, era importante para defesa dos cidadãos pois defendia o interesse dos utentes de saúde em geral, num contexto em que os operadores de mercado viam a entidade como uma instituição que estava a interferir na sua função. Há sempre uma ação de resistência à mudança. Era, portanto, um contexto difícil. E quando isso mete dinheiro está sempre o caldo entornado. Não foi fácil. Mas foi importante como experiência de gestão de mudança. Como conseguir colocar vários parceiros a trabalhar, num contexto em que estes se encontravam pouco colaborantes. Mas no final do mandato, em 2010, acho que tínhamos uma instituição a funcionar em condições, ativa na defesa dos cidadãos, intervindo quando tinha que intervir.

Missão cumprida?
Diria que sim.

Entretanto demitiu-se da Administração Regional de Saúde do Norte. Porquê?
Saí da Entidade Reguladora da Saúde mas continuei a colaborar com várias instituições da saúde e muito ativamente com o então ministro Paulo Macedo. Depois ao fim de alguns anos fui para a Administração Regional de Saúde do Norte. Num concurso oficial fui selecionado. E da “short list” de três pessoas, Paulo Macedo escolheu-me. Trabalhei nove meses com o governo de então. Entretanto o governo mudou para aquela situação em que durou 20 dias e saiu Paulo Macedo. Depois foi nomeado este governo. Sabia que não estava perfeitamente alinhado em termos políticos com ele. Na primeira oportunidade que tive coloquei o meu lugar à disposição. Falei ao novo ministro que era importante a confiança mútua. Mas ele, nessa conversa, disse que tinha confiança em mim. Pediu-me para continuar, o que aceitei. No entanto, com o passar do tempo achei que o governo estava a tomar decisões altamente danosas para a saúde da região norte. Infelizmente demonstrou-se que tinha razão. Há uma série de problemas agora por resolver, causados pelas intervenções dessa altura. E, pouco tempo depois, decidi reconsiderar. E pedi mesmo a demissão por não concordar com o que estava a ser feito.

Como vê a evolução da cidade do Porto nos últimos tempos?
Esta é uma cidade fantástica. Sempre disse que era para aqui que tinha de voltar. Nunca pus a hipótese de voltar para outro lado, Esta é a minha casa. Mas nada impede que a cidade possa ser melhor. Já esteve melhor em vários aspetos, por exemplo, ao nível da mobilidade. O estacionamento está cada vez pior. De facto nos últimos três anos é caótico subir a Avenida da Boavista. E essa minha experiência diária, é uma impressão que outras pessoas também têm e que está demonstrada em estudos internacionais que provam que o trânsito no Porto está cada vez pior. Depois há o caos do estacionamento. Para fugir aos parcómetros as pessoas estacionam selvaticamente na cidade. Isso cria desequilíbrios. Porque com o estacionamento desorganizado,
tudo isto vai ter também impacto no trânsito. Nas outras áreas também não se vê nada de relevante. A zona oriental é um bom exemplo. É uma área que podia ser muito melhor aproveitada. Não compreendo porque é que a reabilitação urbana não se alarga a outras zonas. Não pode ficar só no centro histórico. O Porto em termos económicos teve um bom progresso na área do turismo. Fora isso, a situação económica está cada vez pior. E se não temos atividade económica forte, não temos emprego. As pessoas acabam por fazer aquilo que muitos dos meus alunos fazem, emigrando no sentido lato… Pode ser apenas para fora do Porto. Já não digo aqueles que emigram mesmo.

Mencionou a questão da mobilidade na cidade. Como olha para os planos de expansão do metro?
Pois. Isso foi também uma desilusão. A Avenida da Boavista e a Rua do Campo Alegre são dois infernos. Há mais de uma década que se defende que a solução para o problema do trânsito na zona ocidental do Porto era a linha do metro do Campo Alegre. Primeiro era a discussão se havia metro na Boavista ou não. Saber que a linha do Campo Alegre não vai ser construída para já é uma desilusão enorme. Aquela que era apontada por todos os peritos como a solução para o problema do trânsito na zona ocidental, está morta. Vamos ter muito trabalho a arranjar uma solução. É que o metro não é apenas um meio de ganhar dinheiro. O metro é um instrumento de planeamento urbano. Portanto tem que ser analisado, não apenas na ótica da procura, de qual a linha que rende mais.

O que o levou a uma intervenção pública na Rádio Renascença e no Porto Canal?
Sempre gostei de mandar palpites, desde pequeno. Rapidamente os meus amigos habituaram–se a não discutir comigo. Gosto de discussão, de trocar ideias, do debate. As intervenções na Renascença e no Porto Canal aconteceram porque alguém achou que os meus debates deviam de ser transpostos para outro enquadramento. No Porto Canal é numa lógica ligeiramente diferente. Eu, como professor, sinto que tenho uma obrigação, que tenho o dever para a sociedade de retribuir com o meu conhecimento para que as pessoas percebam melhor as questões económicas. Faço-o com todo o gosto e acho que é um dever. Quero desmistificar, desconstruir as coisas que são mal explicadas. E intervir no espaço público. Porque acho que havia um défice de diversidade de pontos de vista. Habitualmente havia um “discurso oficial”, talvez politicamente correto. Sendo importante, a meu ver aparecer alguém com uma perspetiva diferente e que ajudasse as pessoas a pensar. Ir além dos títulos de jornais, por que estes são muitas das vezes enganadores. Podem levar as pessoas a pensar coisas erradas.

Como vê a política nacional?
Com muita preocupação. Embora independente, comecei a trabalhar com o Partido Social Democrata por uma simples razão: porque acho esta situação governativa perigosa para o país. Achei que depois de 51 anos a assistir a política, estava na altura de começar a ter uma atividade. Porque o único período em que tinha participado em manifestações políticas foi no pós 25 de Abril, nomeadamente na campanha de Freitas do Amaral, em 1986. Considerei que nesse período estavam em causa princípios básicos como a liberdade, a democracia e a economia de mercado. Depois a partir daí considerei que a Democracia estava consolidada, que os princípios básicos não estavam em causa. Portanto segui a vida política de fora. Em fevereiro de 2016 constatei que os riscos voltaram. Não vou, claro, exagerar dizendo que voltamos aos tempos de 1975. Mas temos partidos, agora no poder, que vão contra esses princípios. Mesmo que agora disfarcem que está tudo bem, o facto é que o risco existe…

Porquê uma candidatura independente à Câmara do Porto?
A candidatura surgiu porque decidi ter uma ação política e porque a minha cidade podia melhorar. Achei como cidadão do Porto que devia fazer o máximo para melhorar a cidade. A câmara não funciona em parte pela mesma razão que o governo não funciona. Os portuenses precisam de uma câmara que funcione. Hoje, vejo o Porto com alguma preocupação. O meu desejo, no fundo, é que os meus filhos possam continuar a viver no Porto, e com melhor qualidade de vida. Não vejo uma cidade virada para as famílias, em que avós, pais e netos sintam que é um local agradável para viver e não a abandonem, como fizeram mais de 10 mil pessoas nos últimos três anos.
O Porto tem que ser economicamente forte e diversificado. É preciso que a Câmara crie as condições para que a sociedade consiga criar emprego que não dependa só do Turismo e que outros setores económicos ajudem a inverter o declínio observado na cidade nos últimos anos – o desemprego no Porto não teve a evolução positiva observada, por exemplo, no resto da Região Norte. O mesmo se pode dizer do aumento do seu PIB. Acho ainda que o Porto perdeu protagonismo como líder da Região; o seu papel como referência económica, social e política do Noroeste Peninsular esbateu-se e, mais grave, tenho visto sinais de abandono de uma certa solidariedade com os municípios vizinhos. Em resumo: vejo que a cidade tem tido uma imagem externa que, podendo contribuir para a autoestima do nosso amor pelo Porto, não corresponde, na prática, à preocupação que devia ter para com os que aqui vivem e trabalham, ou seja, para com os portuenses.

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