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João Peste

João Peste
“A minha relação com o Porto é especial”

Nos bastidores do concerto que deram na Cave 45, a 11 de março, João Peste, como é habitual, sem papas na língua, refletiu sobre o atual contexto para as bandas nacionais alternativas, o seu percurso nos históricos Pop Dell`Arte e passagens pela cidade invicta. Uma coisa é certa: a relação com o Porto é “especial”.

Entrar no mundo de João Peste e Companhia é ter  a certeza que tudo pode acontecer.
O som do grupo apresenta muito non sense à mistura, influenciado por verdadeiras escolas futuristas, como o Dadaísmo. Eu iria mais longe e mencionaria também Surrealismo.
As músicas, desconcertantes, incitam-nos à libertação. “Querelle” é um bom exemplo dessa libertação, aliado ao minimalismo com direito a letras fonéticas. “Sonhos pop”, basicamente.
“Sex Symbol” foi mesmo um álbum tremendo. Pelo incrível jogo de palavras e ecletismo nas melodias. Capacidade de reinvenção constante. É esta a imagem de marca de João Peste até aos dias de hoje.
Ás vezes a coragem também é loucura. Palavras de Peste à Blitz. Coragerm para criar uma editora independente, ser sempre fiel à sua linha editorial, nunca cruzando os braços.
A coragem segue certamente num próximo capítulo “ilógico”, como se quer. Até porque um novo álbum está para breve…

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joao_peste_fabio_teixeiraA movida alternativa dos anos 80 em comparação com a atual
“É difícil fazer comparações. O contexto é muito diferente. Hoje em dia há toda uma oferta, e meios de divulgação e de possibilidades de chegar às pessoas que são muito diferentes das dos anos 80. Nessa altura era tudo mais fechado, mais pequeno. Era anterior à revolução das tecnologias de informação. Parecendo que não, se hoje há mais oferta e mais meios de comunicação e de divulgação. No entanto, é inegável a elevada fragamentação, o que acaba por ser  também um novo problema”, começa por alertar à VIVA! João Peste.
“É que não chega a haver um movimento musical alternativo. Mas apenas projetos que vão existindo, muito efeméros, tornando-se, por isso, difícil acompanhar tudo”, sustenta o icónico “comandante” dos Pop Dell’ Arte.
Por outro lado, “hoje talvez seja, portanto mais complexa a afirmação dos projetos alternativos. E como há muitos mais meios de divulgação, de distribuição, de comunicação, acaba por surgir também mais confusão”.
João Peste foi o criador da Ama Romanta, uma editora para a “canção diferente” que não negava “miopias” ou “estigmatismos”. Hoje podemos voltar a falar desses termos? “Eu diria mais ‘surdez.’ (risos) Mas, ressalvo, talvez não seja a pessoa mais adequada para falar da cena atual, porque há muitos projetos que não conheço. Também não quero ser injusto . Continuo sempre a ouvir música e vou descobrindo coisas boas. Parto, por isso, do princípio que ‘haverá coisas muito boas a serem feitas’”.
No entanto, “o verdadeiro alternativo está mais escondido. Creio que as bandas que sobrevivem desse período, como os Mão Morta, Pop Dell’ Arte têm uma situação diferente.”
joao_peste_pop2“Depois, nos anos 80, as tv´s generalistas tinham mais abertura, eram mais pedagógicas que as atuais”, lamenta o músico.
“Acho que as pessoas estão agora mais conservadoras que nos anos 80. E hoje há tanta informação. Estão, contrariamente ao esperado, mais acríticas e preconceituosas, inclusive. Tirando, claro está, os grupos restritos, que se comunicam… Quase que funcionam em rede. Mas quase não funcionam  numa escala global, digamos”.
Depois há toda a mediatização que pode reverter a favor da ideia de uma sociedade do espetáculo. “Sociedade do espetáculo?”, questiona Peste. “Não é nada de muito original. Resta saber o que isso quererá dizer. A ideia do espetaculo não tem que ser levada para o medíocre”.  
No âmbito dos reality shows, “há um consumo muito imediato. São coisas diretas. É tanta informação que tudo acaba por se transformar em desinformação”.
“Mas quero frisar que não vejo o espetáculo como algo pouco digno. O que aqui está em causa é o aproveitamento que se faz da sociedade do espetáculo”, acrescenta.
“Aqui, estamos perante uma sociedade que não é tratada com profundidade. Há comentadores que, por uns minutos falam de futebol, depois música e cinema. Têm direito a dar opinião.Mas, sinceramente, de que vale a opinião de quem não é especializado? Torna-se por isso um exercício de vaidade”, desabafa.
“Depois, acaba por estar tudo interligado porque depois não se aprofunda. Lá está novamente tudo pela superficie. Não há um trabalho profundo de pesquisa. E, no que respeita à música, que bandas, espetáculos existem?”
“A sociedade portuguesa é pequena, apresenta algumas diferenças na escolaridade, que foram ultrapassadas nas últimas décadas. É uma população, que, ainda assim, a meu ver, está mais à mercê da manipulação”, considera João Peste.
Concertos marcantes no Porto? “Até me estou a lembrar particularmente de dois. Ambos no antigo Rivoli. Um que fizemos pela primeira vez no Rivoli sozinhos, creio que na primavera de 1987. E depois, sei que voltamos lá, mas acompanhados pelos Mão Morta”.
joao_pesteA cidade do Porto é muito querida até aos dias de hoje para João Peste. “Tenho ótimas memórias e curiosamente sempre estive muito ligado ao Porto. Editei logo uma banda do Porto que eram os ‘Cães Vadios’, na altura sob outro nome. E mantive-me sempre em contacto com a cena portuense. Tenho uma ligação especial com o Porto”, admito.

O Amor é mesmo um gajo estranho
A VIVA! não resistiu e questionou: O Amor é mesmo um gajo estranho? “Às vezes. Mas nem sempre. Mas é mais interessante quando é”, revelou-nos João Peste.
E, já agora, se pudesse escolher um tema que resumisse o percurso da banda, qual seria? “É sempre complicado. Há uma grande diversidade estética no grupo. Umas [canções] são em inglês, outras em português, outras uma mistura de línguas… Mas, da minha perspetiva, o tema que encarna mais o espírito dos Pop Dell’ Arte é a faixa de abertura do free pop, ‘Berlioz’, na medida em que tem o espírito libertário, o objetivo de não ter barreiras, limites e é irónico”, frisa o músico.
O novo álbum vem o “mais rapidamente possivel”, avança João Peste, entusiasmado. Ficamos à espera.

Texto: Irene Mónica Leite

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