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PD - Revista Sabe Bem

Miguel Araújo

Miguel Araújo
O contador de estórias

Nunca sonhou ser músico, mas a força do sangue talvez o tenha impedido de combater “o bichinho”. Pé ante pé, entre uma e outra aventura musical, movida por pura diversão, Miguel Araújo chegou mais longe do que alguma vez imaginou. Além de integrar a banda Os Azeitonas, decidiu apostar também numa carreira a solo, com dois discos editados. Planos para o futuro? Evita fazê-los porque o que importa mesmo é pegar na guitarra e ter uma estória para contar.

Sentado, confortavelmente, num banco de jardim, com o à-vontade de quem se sente em casa, é assertivo nas palavras, doce nos gestos e profundo no olhar, que, às vezes, parece fugir, para bem longe, em voos mais altos. O semblante, esse, tão sério, leva menos de um segundo a quebrar-se em bons sorrisos, ao ritmo de uma conversa espontânea e bem disposta. E, de repente, o primeiro verso da música “Reader’s Digest” – “quero a vida pacata que acata o destino sem desatino” – parece assentar-lhe como uma luva, naquele espaço verde “à beira-mar plantado”: o jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro, bem perto da sua casa.
Conhecido como Miguel AJ (o J é de Jorge), guitarrista da banda Os Azeitonas, Miguel Araújo, que se aventurou, entretanto, numa carreira a solo, com dois discos lançados, dispensa apresentações, mas faz questão de continuar a seguir um conselho que lhe deram em tempos: não esperar feitos megalómanos, não se comparar a ninguém e concentrar-se apenas no trabalho. “Se não estivermos constantemente a imaginar como é que vai ser o filme daqui para a frente, as conquistas vão surgindo”, sublinhou o músico e compositor português. Aliás, esta é a filosofia que utiliza tanto na música como na vida. E foi assim mesmo, de um conjunto de felizes coincidências e muito trabalho à mistura, que Miguel foi construindo o seu percurso profissional e alimentando uma paixão que só descobriu aos 11 anos, por força da genética.

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A casa dos avós como verdadeiro “ninho” de artistas
Nascido na Maia, em 1978, Miguel Araújo viveu em Águas Santas até aos dez anos, mudando-se, posteriormente, para a cidade do Porto, mais concretamente para os Pinhais da Foz. De uma infância “normal”, vivida entre as correrias da escola (frequentou, na primária, o Colégio Luso-Francês, ingressando, depois, no do Rosário, já no Porto) e os momentos passados em casa dos avós, recorda com especial cuidado um momento que viria a mudar para sempre a sua vida.
“A fase mais marcante talvez tenha sido por volta dos 11 anos, quando comecei a interessar-me por música”, reconheceu, explicando que, nessa altura, os tios decidiram revitalizar uma banda de covers que tinham tido, nos anos 60, retomando os ensaios lá em casa dos avós.
“Foi assim que fiquei com o bichinho”, admitiu. “O gosto pela música é algo que se herda. Não conheço ninguém que se tenha interessado por iniciativa própria, com a parada de êxitos do seu tempo”, frisou, defendendo que, regra geral, os tops de música “são sempre coisas não muito aliciantes”. Assim, foi ao som de Beatles, Bob Dylan e Eric Clapton, nomes “que já tinham sido ‘mainstream’ e que, na altura, eram alternativos”, que Miguel embarcou numa série de despreocupadas aventuras musicais.
Os primeiros passos neste mundo novo foram dados juntamente com os primos. “Criámos uma banda e, rapidamente, estávamos aí a tocar em vários palcos”, contou. Depois, já a frequentar a Escola Secundária Garcia de Orta, alinhou noutros grupos, criados com amigos. Um deles – os Tsé Tsé – chegou mesmo a gravar um disco pela BMG, mas não sobreviveu muito mais tempo.
“Éramos muito novos para estas lides discográficas. Eu tinha 18 anos!”, constatou Miguel. Entretanto, numa altura em que se dedicava à licenciatura em Administração e Gestão de Empresas, na Universidade Católica, já “meio desligado” da música – achava ele! – o maiato percebeu que, afinal, um novo desafio poderia estar a surgir. “Eu levava a guitarra para as férias e fazia algumas músicas por brincadeira, um pouco a abusar dos clichés da música romântica. Isto foi na altura da Operação Triunfo e nós brincávamos com a forma como o pessoal cantava nesse tipo de concursos. Tinha duas ou três músicas feitas nessa onda da piada e, juntamente com amigos da faculdade, criámos uma banda com um único objetivo: o de nos rirmos”, contou. Estariam, assim, lançadas as bases d’Os Azeitonas, quarteto portuense composto por Miguel Araújo, Mário “Marlon” Brandão, Luísa “Nena” Barbosa e João “Salsa” Salcedo, criado em 2002, que soma cinco álbuns editados e muitos, muitos quilómetros percorridos, em concerto, por todo o país.

Quando Rui Veloso alinha na “brincadeira”
Os dois primeiros concertos da banda – irremediavelmente associada a temas como “Quem És Tu Miúda”, “Anda Comigo Ver os Aviões” e “Tonto por Ti” – foram realizados no Pop Bar (anteriormente designado D. Urraca), na Rua Padre Luís Cabral (Foz), e no Via Rápida, este para um público maior. Mas as editoras, os contratos e concertos nunca fizeram parte da lista de preocupações d’Os Azeitonas, tanto que alguns elementos da banda chegaram a passar temporadas no estrangeiro.
Contudo, um convite inesperado feito na altura certa veio “abalar” um pouco o futuro dos artistas portuenses. “Foi muito marcante o momento em que o Rui Veloso nos convidou para gravar um disco no estúdio dele [Maria Records]. Não esperávamos tal coisa. Aliás, a banda até já estava desmembrada. O Marlon tinha ido viver para o México e o Salsa tinha ido para Nova Iorque estudar música. Por sorte, ambos haviam acabado de voltar”, relatou. Assim nasceu “Um Tanto ou Quanto Atarantado” (2005), disco ao qual se seguiram “Rádio Alegria” (2007), “Salão América” (2009), “Em Boa Companhia Eu Vou” (2011) e “AZ” (2013). Agendado para o início de 2015 está já o lançamento do CD e DVD ao vivo dos concertos que a banda deu, no ano passado, nos Coliseus.

Aventuras a solo… com a guitarra
Mas em 2012 – novamente sem grandes expectativas e com os pés bem assentes no chão – Miguel decidiu tirar da gaveta algumas músicas que escreveu e “que não cabiam no conceito d’Os Azeitonas” para apostar num projeto em nome próprio. O álbum de estreia, “Cinco Dias e Meio” (que integra temas bem conhecidos, como “Os maridos das outras”, “Fizz Limão” e “Reader’s Digest”) atingiu a marca de Disco de Ouro, sendo considerado pela revista Blitz um dos álbuns do ano. O irónico single “Os maridos das outras” valeu-lhe, aliás, duas nomeações: para “Melhor Canção” nos Prémios da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e para um Globo de Ouro na categoria de “Melhor Música”.
Depois de um primeiro trabalho muito centrado em si mesmo – “muito direto, muito cru, eu sozinho com uma guitarra e poucos instrumentos à minha volta” – o músico apresentou, em abril deste ano, “Crónicas da Cidade Grande”, um disco “mais produzido”, com arranjos de João Martins. “Uma salada engraçada” que conta com as participações especiais de António Zambujo, Inês Viterbo e Marcelo Camelo.
Apesar de um trabalho que envolve a tripla tarefa de compor, tocar e cantar, é na composição que o músico entende distinguir-se. “Não estou a dizer que sou um excelente compositor, mas vozes como a minha e gente a tocar como eu toco deve haver aí aos pontapés”, sublinhou, explicando que não teve formação musical “formal e académica”. “Fui autodidata, encontrei a minha formação nos discos, nos concertos gravados ao vivo, em VHS, na televisão, nos amigos e nas revistas de música”, referiu.
Escrever é, para Miguel Araújo, uma ação livre, não envolvendo propriamente um método. “Na maior parte das vezes, o que acontece é que crio uma melodia e depois coloco as palavras em cima. E isto pode acontecer três anos, três dias ou até meia hora depois”, explicou. Utilizar a língua mãe é, isso sim, algo de que não abdica nas suas canções, muito marcadas pela ironia. “Se eu cantasse em inglês seria qualquer coisa como brincar aos cowboys com esta idade e não estou interessado nisso”, reconheceu, entre gargalhadas.
Ouvir as suas letras na voz de outros artistas é quase “inacreditável”. “Pensar que a minha ‘Reader’s Digest’ já foi cantada [por Zambujo] no Carnegie Hall [sala de espetáculos em Nova Iorque] é uma super honra”, disse. E é com o mesmo orgulho que define os três concertos mais marcantes da sua carreira: com Os Azeitonas no Coliseu do Porto (2013), a solo na Casa da Música (em abril passado) e novamente com a banda, em plena Avenida dos Aliados, por altura do último São João. Segundo defendeu, atuar, ao ar livre, no coração da sua cidade foi “impressionante”. “Em tantos anos de carreira nunca o tínhamos feito. Isto não é nenhuma laracha política, que eu não me meto em nada disso, mas, na altura do Rui Rio, não havia concertos assim”, notou.
Controlar o nervoso miudinho e aceitar os habituais enganos e lapsos de memória durante as atuações foram desafios que aprendeu a superar. “No outro dia, o Rogério (baterista d’Os Azeitonas) teve uma quebra de tensão em palco; teve de sair e fizemos tudo sem que ninguém notasse. Tocámos a ‘Anda comigo ver os aviões’ e a ‘Nos Desenhos Animados’, duas músicas nas quais ele não toca, enquanto lhe estiveram a dar água com açúcar”, contou, confessando ainda que já chegou a atuar para “um mar de gente”, no Rock in Rio, num pico de rinite alérgica, “quase sem conseguir respirar”, em reação à presença abundante de gramíneas no recinto.

“Há uma gentileza no Porto que não existe em mais sítio nenhum”
A descontração com que recorda os momentos caricatos vividos em palco revela-lhe o caráter assumidamente nortenho. Casado e com dois filhos (um deles de poucos meses), Miguel chegou a viver dois anos em Lisboa, no Bairro Alto, mas regressou “à sua praia” logo que possível. E apesar de, ao longo da estadia na capital, ter conseguido levar uma vida calma, sem carro e com as tão apreciadas idas à mercearia, é perentório na hora do balanço: prefere viver no clima menos quente do norte, perto dos amigos e da família.
Aos portuenses reconhece uma ética de trabalho mais vincada. “Aqui há uma entrega maior”, constatou, identificando ainda nas gentes nortenhas “uma gentileza” única, “muito menos filtrada”. “Um amigo meu brasileiro foi à Ribeira, entrou num café e achou-se ‘insultado’. E só para aí ao terceiro dia é que percebeu que essa era a forma de ser tratado com gentileza, como se fosse filho da senhora que o atendeu. As pessoas cá tratam os que chegam de fora como irmãos, nem que isso envolva dizer coisas como: ‘queres um cafezinho? Ai que já me estás a lixar e a dar muito trabalho!’ Parecem grosserias, mas não são, são exatamente o oposto. Essa é a diferença do norte para o resto do país”, constatou. Sair da cidade onde se sente bem não faz, por isso, parte dos planos do músico. “Viver aqui [na Foz] é sair de casa descalço e voltar descalço”, dada a proximidade da praia, que tanto aprecia. E é nesta sua zona de conforto que gosta de estar, entre o verde do Jardim do Passeio Alegre e a Rua da Senhora da Luz, “que tem tudo”, até “senhoras a vender peixe fresco, todas as manhãs”. Ainda assim, não descarta a beleza dos passeios pela baixa portuense, com a família. Para contrariar a adrenalina das fases mais agitadas, com concertos pelo país, o compositor procura um dia a dia calmo, onde não faltem as corridas matinais. Não vibra com futebol, mas vê no presidente do FC Porto, Pinto da Costa, uma das maiores personalidades da cidade, ao lado de Rui Veloso. “São os dois grandes símbolos da minha geração, ninguém cresceu indiferente a estas duas figuras”, notou. De resto, não precisa de muito mais para ser feliz: a família e a guitarra são o seu porto de abrigo, os principais acordes de uma balada que o músico promete, em nome próprio, cantar à cidade no dia 29 de novembro, naquela que considera ser uma das “mais míticas” salas de espetáculo do mundo: o Coliseu do Porto.

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