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Valente de Oliveira

Valente de Oliveira

“O importante é não parar”

Com a cidade no Porto bem presente na sua vida, assim como as suas causas, Valente de Oliveira é inequívoco: “Há uma tendência patológica para o centralismo”. Por outro lado, sustenta que a cidade invicta “está muito preparada para enfrentar o futuro”, beneficiando das sinergias entre universidades. O histórico social-democrata alertou ainda para os perigos de uma economia centrada no turismo porque este, a seu ver, é um setor vulnerável, “muito sujeito a modas”.

Valente de Oliveira, 80 anos, histórico social-democrata, acumula no seu currículo funções de excelência. Com efeito, exerceu diversos cargos governativos: ministro da Educação e Investigação Científica entre 1978 e 1979; ministro do Planeamento e da Administração do Território entre 1985 e 1995; ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação em 2002 e 2003.

É presidente do Conselho de Fundadores da Casa da Música, presta apoio à Fundação AEP e é presidente do Conselho Geral da Universidade do Minho. “O importante é não parar”, disse-nos.

Que ameaças e vantagens encontra neste Porto do século XXI?

O Porto é uma cidade que está muito preparada para enfrentar o futuro. Porque sempre foi cosmopolita. Sempre olhou para fora. E sempre acolheu a novidade como se fosse normal.

Não é só a parte das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), são outras mudanças. Há muita gente nova que foi para fora e que acabará por regressar ou influenciar os parentes que cá ficaram. E isso vai traduzir-se numa aceleração da mudança.

A cidade do Porto passou por uma crise em 2008. Há uma certa resiliência porque continuou a ‘remar contra a corrente’. O turismo constitui uma forma de ‘fintar’ essas dificuldades?

O turismo é um setor muito interessante porque repercutem-se os seus efeitos rapidamente. Mas é preciso ter cuidado que o turismo também é um setor vulnerável, muito sujeito a modas. Com efeito, um atentado, um acidente, ou mesmo um terramoto, ou um incêndio podem fazer suscitar mudanças: “Porquê ir para lá se posso ir para outro lado?”.

A economia, como defende, não pode ficar centrada numa única atividade…

Todas as economias que assentam só num setor, são frágeis. Mesmo quando esse setor é o petróleo. Quando o petróleo sobe é sinal de prosperidade, quando o petróleo desce, é crise. E nós sabemos isso bem.

Voltando à cidade do Porto, referimos que tem uma certa resiliência, portanto considera que esta capacidade contínua de enfrentar os obstáculos faz da invicta uma cidade criativa?

Faz, pois assenta no recurso permanente: as pessoas e a sua preparação. Quanto mais robusta for a formação das pessoas, mais elas estarão aptas a tomar iniciativas, a iniciar os seus próprios negócios e complementar as suas próprias ideias. Isso significa que há capacidade internamente. A diversificação confere riqueza e solidez.

Qual foi a melhor fase do Porto ao longo da sua vida?

A minha adolescência, seguramente.

Como caracteriza o Porto nessa altura?

Era uma cidade que todos os dias via nascer novos negócios. Ir ao centro do Porto era uma experiência única.

Era uma azáfama, portanto.

Era a toda a hora. Ainda não havia Tv. De maneira que, depois do jantar, as pessoas saíam para o café e para dar a volta das montras.

Durante a tarde a função do Porto, como cidade, era comércio de apoio à sua área metropolitana.

De manhã era a atividade tradicional: os bancos, o comércio… A Rua do Almada, a título de exemplo, que hoje é pacata, apresentava uma atividade enorme, porque era a rua do ferro.

A Rua Mouzinho da Silveira era algo semelhante, mas ligada a produtos agrícolas. A Rua 31 de Janeiro, por sua vez, estava ligada a um comércio mais elegante, mais caro. E havia efetivamente uma atividade febril na cidade que era admirável.

Que imagem o Porto projeta atualmente no país e no estrangeiro?

O Porto projeta no país alma tradicional. Gente aplicada, ativa, empreendedora. No exterior, as pessoas que nos visitam dirão: gente afável, com uma boa gastronomia, diversidade grande de atividades, desde Serralves até à Casa da Música, passando pelo desporto, gente com características próprias.

O Porto hoje é chique, atraente e está na moda. O surpreendente para mim não é que eles [turistas] visitem uma vez… É que eles venham mais vezes e que a partir do Porto façam excursões mais ambiciosas para Braga, o Douro, isto porque se sentiram bem na estreia.

O clima é muito razoável. Para quem vem da neve, do frio, chuva, é um contraste enorme.

Há um aspeto muito importante que é a segurança. A imagem projetada é de uma cidade civilizada, tranquila, onde se está bem.

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Numa entrevista à VIVA!, Manuel Serrão disse que havia a cultura do centralismo no país. Referiu ainda que quando os políticos se dirigem para a capital passam a usar uns óculos de sul. Concorda com essa afirmação?

Alguns, talvez (risos). Estive lá muitas vezes e olhei com os olhos do país. Em primeiro lugar porque conheço muito bem Portugal e nunca me deixei seduzir pela sereia lisboeta. Lisboa é uma cidade lindíssima. Gosto muito de lá estar e de usufruir dos seus muitos motivos de atração. Mas há lugar para todos. E o país é rico, diverso e muito diversificado.

Mas o Manuel Serrão tem razão. Há uma tendência patológica para o centralismo.

E considera que o Porto tem condições para “rivalizar” com Lisboa?

Não gosto do termo rivalizar. Para complementar sim, fazendo muitas coisas e sendo uma alternativa válida a muitas das coisas que podem não ficar em Lisboa. Eu acho que há outras cidades do país que estão em condições de albergar atividades que escusam de estar na capital.

O que acha da anunciada transferência do Infarmed para o Porto?

Penso que é uma ideia despropositada. Não sei como é que surgiu. Ninguém sabe. Aparece de repente. Infelizmente surgiu na sequência de um fracasso de uma questão também ligada aos medicamentos [EMA].

Dá ideia que foi algo meio ‘atamancado’. Não sei se foi ou não. Não estou a afirmar. Mas de todas as formas o momento de anunciar foi muito infeliz.

Mas note, o raciocínio deve ser este: se há algo novo para o país, que não tenha de se deslocar unicamente para Lisboa, se não tiver de o ser, obviamente. Se tal acontecer, já é positivo.

Considera que o Porto vibrante de outrora começou a perder força quando a banca foi para Lisboa em meados dos anos 60?

Evidente. Foi uma machadada muito grande. Começou a haver um movimento negativo. Os bancos não foram à procura de clientes para Lisboa. Foram para estar perto do poder político. A razão e os efeitos foram negativos.

Como evoluiu o ensino universitário desde a sua altura até à atualidade?

Há muitas diferenças pois há muito mais gente no ensino superior. Depois também há muita variedade. Antes havia meia dúzia de faculdades. Hoje a maior parte das instituições internacionalizou-se e, portanto, os seus docentes adquiriram graus académicos lá fora. Mantêm colaborações com projetos que estão noutras cidades, noutros países. Participam em redes que são internacionais. Há interdisciplinaridade, mais dinamismo, há redes e cruzamento de colaborações.

É um histórico social-democrata. Porquê esta desvinculação do PSD?

Disse isso na ocasião… há quatro anos e meio, o PSD propôs uma alternativa para a liderança da cidade que a maioria de nós não aceitava. Apareceu um candidato alternativo [Rui Moreira] que eu apoiei sendo que nessa ocasião levantaram-me um processo. Colocou-se a hipótese de me expulsarem do partido. Não fui eu que atentei contra o PSD. Foi o partido que não procurou genuinamente um candidato que fosse aceitável.

Desta vez pôs-se novamente a questão de apoiar ou não o atual presidente da Câmara. É evidente que apoiei.

Não coloquei o partido em situação delicada, de ter de haver um processo contra mim. Antes que eu seja incómodo, retiro-me. Ninguém deu por nada, ninguém fez comentários.

E porquê este apoio a Rui Moreira?

Porque ele tinha uma ideia sobre o Porto arejada, moderna, sabendo verbalizá-la. Tanto que os portuenses lhe concederam dois mandatos, o segundo dos quais com maioria absoluta. É sinal de que está a agir bem.

Pode dizer: ‘ele está a ter sorte com a maré do turismo e com a conjuntura internacional’. Está, certo. Mas a verdade é que está a aproveitar e a capitalizar. A cidade está bem.

Considera que o Porto atravessa um período de efervescência cultural? Com efeito temos dois ex-líbris: Casa da Música e Serralves…

Eu acho que a vida cultural do Porto nunca esteve tão dinâmica como está hoje. Muito graças a esses dois elementos: as artes visuais, as artes plásticas, através de Serralves, e a música, com a sua “casa”. Não gostaria muito de julgar em causa própria a música. Mas dá-me uma satisfação enorme assistir, semana após semana, à casa cheia para uma enorme variedade de música. Seja a música de uma orquestra sinfónica, de uma orquestra barroca, de um coro, música erudita contemporânea, os novos talentos.

Por outro lado, não é só a Casa da Música. O Coliseu do Porto mantém uma programação animada. Há muita atividade aqui à volta. Matosinhos tem um quarteto e uma orquestra de jazz. Há academias de música em freguesias do concelho de Gaia.

Se colocasse a hipótese de viver noutra cidade, qual seria?

É uma pergunta difícil (risos).

Estudei e vivi em Londres e gostei muito de lá estar, pois não me sinto fora de casa. Mas também gosto de estar em Paris. Seguramente não numa pequena cidade europeia. Mas essa pergunta conduz ao embaraço da escolha.

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